A semana de quatro dias, adotada por algumas empresas em países ao redor do mundo, tem alguns entraves para poder ser implantada no Brasil, apontam especialistas em mercado de trabalho.
Até o momento, apenas a Zee.Dog anunciou esse modelo de jornada no país. A empresa de produtos pet adotou o modelo em março do ano passado para aumentar a qualidade de vida e a produtividade dos funcionários nos escritórios da empresa de São Paulo e Rio de Janeiro, além de Madri (Espanha) e Shenzhen (China).
“Houve um ganho muito grande na produtividade, e a gente aprendeu a ser mais objetivo e rápido nas reuniões”, diz a gerente de design da empresa, Marcela Rockenbach.
Para especialistas, a legislação trabalhista e a questão da gestão e da produtividade do trabalhador brasileiro são fatores que pesam para que a semana de trabalho possa ser encurtada.
“Existe uma zona cinzenta muito forte na questão trabalhista, como, por exemplo, o controle de horas, o que é um ponto importante. Há ainda a questão da gestão e dos processos de controle do trabalho um pouco mais tradicionais. Vários de nossos clientes durante a mudança para o home office na pandemia tiveram problemas com produtividade por falta de um sistema e um parque tecnológico devidamente instalados para isso. O Brasil está acelerando esse processo, mas está um pouco longe de outros países”, aponta Lucas Nogueira, diretor de recrutamento da Robert Half.
Lucas Toledo, diretor do PageGroup, também considera a questão trabalhista e a produtividade fatores que dificultam a semana de quatro dias. E acredita que esse modelo de jornada acontece quando existe uma produtividade maior, o que permite mais flexibilidade.
“Temos uma visão ainda muito ligada às leis trabalhistas, que definem a quantidade de horas, então é um processo para mudar. O Brasil ainda é um país de produtividade muito baixa, em funções operacionais, ligadas a horas de trabalho, e não à questão de criatividade, de trabalho mais voltado ao uso intelectual ou de comunicação”, diz.
Nogueira cita uma pesquisa global realizada pela Robert Half no LinkedIn que perguntou aos profissionais o que gostariam de experimentar para reduzir o burnout, e a semana de 4 dias era uma das opções. Entre os países consultados, o Brasil ficou em último lugar entre os que apoiavam esse modelo. Porém, ficou em primeiro lugar no apoio à jornada flexível.
Setores com maior dificuldade para mudança
Nogueira afirma que o setor de serviços é o que mais emprega no país, e justamente por isso seria muito difícil implantar uma jornada de quatro dias.
“Imagina um restaurante em que você precisa atender sete dias por semana. Tem que respeitar a legislação trabalhista porque precisa de um intervalo de pelo menos 11 horas, e você tem uma grade salarial mínima dependendo da função. Nesse caso pesa a questão da legislação”, diz.
Outro ponto importante, segundo ele, é que, se a empresa implanta uma jornada de 4 dias no setor administrativo, ela precisará estender esse modelo para as demais áreas da empresa, ou contratar mais gente se houver jornadas diferentes em cada setor para cobrir o dia não trabalhado.
“Sou um profissional administrativo que trabalha de segunda a quinta, só que na sexta-feira minha fábrica opera, e é preciso emitir nota fiscal e pagar impostos nesse dia. Mas o time da contabilidade não está trabalhando. Como gerenciar isso? Contratando mais gente, e a operação vai ficar mais cara”, explica.
Para Toledo, a semana de quatro dias teria mais dificuldade de ser implantada em posições mais operacionais e industriais ou na área agrícola. “Uma alternativa pode ser uma redução da jornada de trabalho total e do número de horas na semana. Penso que ainda temos esse passo antes de reduzir um dia na semana, ao invés de ser 40 horas, reduzir para 32 horas”, observa.
Outros setores apontados por Nogueira são varejo e logística. “Essas adaptações seriam mais difíceis no varejo, onde você tem uma necessidade de consumo de 24 horas. Hoje o mercado é aberto sete dias por semana. No caso do segmento de logística, como eu paro uma cadeia de logística? Tem também a área tributária. Não é que impossibilita, mas gera uma complexidade de gestão para implementação desse modelo”, afirma.
Trabalho híbrido é primeiro passo
O diretor de recrutamento da Robert Half aponta que o primeiro passo para a semana de quatro dias é a implementação do trabalho híbrido, com flexibilização da jornada e rodízio entre trabalho em casa e no escritório, que já vem sendo adotado por algumas empresas por causa da pandemia, apesar dos desafios de gestão.
“Por essa complexidade, as empresas não estão pensando nisso [semana de quatro dias] como um primeiro desafio. Tem antes a implementação do trabalho híbrido, com questões de como equalizar as oportunidades do profissional que trabalha de casa e o que trabalha no escritório, como eu controlo a entrada de um profissional novo na empresa, e penso que não colou ainda no Brasil porque as empresas estão muito mais preocupadas nesse próximo passo, que é o trabalho híbrido, para aí sim começar a pensar em como conduzir esses desafios de uma jornada menor. Mas não tenho dúvida de que isso é o futuro”, diz.
Segundo ele, as possibilidades maiores de se implantar uma semana de quatro dias seriam, por exemplo, nos setores de tecnologia e marketing. Mas ainda existem segmentos que precisam passar por transformações de tecnologia e maior investimento na educação dos profissionais no sentido de aprimoramento de sistemas de trabalho, para em outro momento se começar a discutir o encurtamento da semana de trabalho.
Tendência para o futuro?
Para o diretor do PageGroup, a questão da semana de quatro dias precisa ser mais discutida, e as empresas devem provar que isso funciona antes de virar uma tendência no mercado de trabalho.
“Teria que mostrar a importância de medir a pessoa pelo resultado e não pelo número de horas trabalhadas. Isso é uma quebra de paradigma para as empresas”, afirma.
Na opinião de Nogueira, adequar a jornada com um dia a menos na semana é um processo de dinamização do trabalho.
“Nós temos a mesma carga horária de 30 anos atrás, só que as ferramentas para se realizar esse trabalho são completamente diferentes. Pensar em mudanças muito bruscas, em que você interfere nos pilares trabalhistas, de gestão e no hiato educacional que temos no nosso país, não me faz crer que nos próximos 5 anos teremos estabelecida em grande parte das empresas uma jornada de quatro dias por semana em diversas empresas. Isso pode acontecer em um ou outro segmento e empresa”, afirma.
Toledo considera uma tendência para o futuro, porque a força de trabalho vai aumentar e ao mesmo tempo as pessoas estão procurando mais flexibilidade.
Mas, para ele, há várias questões a serem trabalhadas antes, como a redução da carga horária semanal e a discussão de medir o resultado do trabalho pela performance da entrega e não pelo número de horas trabalhadas para as posições em que isso é possível.
“Isso passa também por uma revisão das leis trabalhistas, pelo pioneirismo de empresas na adesão ao modelo, e que os RHs e os administradores olhem também para isso, além do incentivo do próprio governo”, aponta.
Daniel Duque, pesquisador do Ibre-FGV (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas), afirma que as horas trabalhadas no mundo em geral se reduzem desde o século passado, mas a margem da redução é na jornada diária. Por isso, o mundo ainda não tem visto jornadas semanais de quatro dias, porque ainda está ocorrendo uma gradual queda da jornada diária.
Segundo ele, na Europa, trabalha-se entre 6 e 7 horas por dia. Nos Estados Unidos e no Brasil, são cerca de 8 horas.
“Em geral, há uma percepção de que os ganhos de produtividade, com a produção por hora trabalhada, são maiores quando se reduz na margem da jornada diária. No entanto, países da Europa estão no nível em que potencialmente é mais eficiente reduzir o dia, apesar de que isso gera uma queda muito forte nas horas trabalhadas totais, de 20%, a não ser que haja aumento da jornada diária”, afirma.
Para ele, o Brasil muito provavelmente ainda vai passar por reduções da jornada diária antes de ser considerada uma queda na jornada semanal, seguindo a tendência da Europa no geral.
Desafios e benefícios
Para Nogueira, olhando de maneira ampla, a semana de 4 dias é positiva tanto para o empregado quanto para o empregador. Mas há desafios a serem superados por ambas as partes.
“A empresa tem desafios mais tangíveis, como a legislação, o controle. No caso do trabalhador, o desafio é mais técnico, precisa buscar especialização, novas formas de comunicação, nesse modelo eu não posso mais ter um funcionário que pensa em trabalhar somente na atividade para a qual ele foi contratado. Então, para o lado do empregado, também existe uma necessidade de maior especialização técnica e também de senso de dono, porque teoricamente você teria menos tempo para trabalhar, para desenvolver, então tem que evoluir nesse sentido. Então as duas pontas necessitam dessa evolução”, explica.
Toledo não vê necessidade de tantas adaptações para o modelo. “Até acho que isso traria uma redução de custos para as companhias, com certeza menos burnout, menos cansaço, mais sentimento de que a pessoa tem um balanço entre vida pessoal e vida de trabalho e, dependendo das funções que são ligadas ao conhecimento, não traria muitos prejuízos”, conclui.
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